CAPÍTULO VI

O PAPEL DOS DEMAIS ATORES E ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA

CAPÍTULO VI

Embora o CIG seja o principal componente da política de governança, existem outros atores e estruturas que desempenham um papel relevante na sua execução. A tabela 3 traz uma síntese das funções desempenhadas pelos principais atores e estruturas envolvidos na condução da política de governança.

TABELA 3 - FUNÇÕES DOS PRINCIPAIS ATORES E ESTRUTURAS DA POLÍTICA DE GOVERNANÇA
Atores/estruturas
Funções
Presidente da República
Responsável, em última instância, pela condução da política de governança
CIG
Assessora o presidente da República na condução da política de governança (coordenação)
Órgãos e entidades da administração pública federal (APF)
Executam a política de governança
Alta administração
Responsável pela implementação da política de governança nos respectivos órgãos e entidades
Comitê Interno de Governança
Promove e monitora a política de governança em seus respectivos órgãos e entidades

 

A auditoria interna governamental, as unidades de integridade e as assessorias jurídicas não têm papel específico na condução da política de governança, mas são relevantes para que órgãos e entidades desenvolvam seus modelos de governança e atinjam os objetivos traçados pela política – e, portanto, serão também tratados nos itens seguintes. Em contrapartida, não há muito o que esclarecer sobre os papéis do presidente da República, dos órgãos e das entidades nesse aspecto.

Em relação ao presidente, basta saber que é a autoridade máxima no que tange à condução da política. Diante da previsão constitucional de que compete privativamente ao Presidente exercer, com o auxílio dos ministros de Estado, a direção superior da administração federal (art. 84, inciso II), o Decreto nº 9.203, de 2017, alterado pelo Decreto nº 9.901, de 8 de julho de 2019, não poderia seguir lógica diferente. Assim, conforme se extrai de seu art. 7º - A, cabe ao presidente, com o assessoramento do CIG, a condução da política de governança.

Em relação aos órgãos e às entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, sua competência é a de executar a política de governança (art. 13 - A, inciso I). Para isso, deverão pelo menos incorporar os princípios e as diretrizes definidos no decreto e estar atentos às recomendações oriundas de manuais, guias e recomendações do CIG

A responsabilidade pela execução em cada órgão é da alta administração, conforme prevê o art. 6º. Essa responsabilidade será compartilhada com os comitês internos de governança, cuja criação já deve ter sido providenciada, nos termos do art. 14 - A.

A seguir, serão detalhados os papéis das estruturas e dos atores que, dentro de cada órgão ou entidade, serão relevantes para a execução da política de governança.

 

6.1 ALTA ADMINISTRAÇÃO 

A alta administração tem como principal papel na execução da política de governança a implantação e a manutenção de mecanismos, instâncias e práticas de governança, em consonância com os princípios e as diretrizes estabelecidos no Decreto nº 9.203, de 2017 (art. 6º).

Inicialmente, é necessário determinar quais autoridades estão incluídas no conceito. Embora haja definições distintas em outros atos normativos, para efeitos do Decreto, a alta administração compreende as autoridades constantes na tabela 4.

 

TABELA 4 - A ALTA ADMINISTRAÇÃO NOS TERMOS DO DECRETO Nº 9.203, DE 2017
Ministros de Estado
Ocupantes de cargos de natureza especial
Ocupantes de cargo nível 6 do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS)
Presidentes e diretores de autarquias, inclusive as especiais
Presidentes e diretores de fundações públicas
Autoridades equivalentes

 

Portanto, um ministro de Estado ou um dirigente máximo de agência reguladora são imbuídos da responsabilidade de criar e manter em seus órgãos iniciativas que promovam a capacidade de resposta, a integridade, a confiabilidade, a melhoria regulatória, a prestação de contas e responsabilidade e a transparência – e suas respectivas diretrizes.

A obrigação definida no dispositivo garante que a execução da política de governança não fique adstrita ao papel exercido pelo CIG e reforça o compromisso de que a alta administração, independentemente de orientações centrais, desenvolva internamente boas práticas de governança.

O parágrafo único do art. 6º, por sua vez, estabelece um patamar mínimo para isso. Assim, as boas práticas implementadas nos órgãos e nas entidades devem englobar necessariamente:

i) formas de acompanhamento de resultados;
ii) soluções para melhoria do desempenho; e
iii) instrumentos de promoção do processo decisório baseado em evidências.

Em primeiro lugar, é fundamental que o cumprimento dessas obrigações se dê em observância aos princípios e às diretrizes de governança. Logo, por exemplo, a melhoria do desempenho da organização deve ser realizada a partir de um processo transparente, com uma precisa identificação de responsabilidades e a partir de uma estratégia previamente definida e aprovada.

Em segundo lugar, por se tratar de uma obrigação imediata de todos os órgãos e entidades alcançados pela política de governança, é recomendável que o CIG dê prioridade à definição de recomendações comuns em relação aos pontos indicados. Isso poderá garantir maior coerência e integração entre os mecanismos, instâncias e práticas de governança eventualmente criados.

Por fim, é importante destacar que a observância desses patamares mínimos de governança deve, preferencialmente, ser precedida de uma análise do modelo de governança que a instituição adota e dos desafios que ela deve enfrentar para assegurar que sua ação esteja direcionada para objetivos alinhados aos interesses da sociedade.

A partir do levantamento prévio dos gargalos e das fragilidades institucionais, é possível formular um plano específico e contextualizado para o aprimoramento da governança. Nesse sentido, a função da alta administração é promover as ações necessárias para que esse diagnóstico seja o mais preciso possível.

 

6.2 COMITÊS INTERNOS DE GOVERNANÇA

Para assegurar que as boas práticas de governança se desenvolvam e sejam apropriadas pela instituição de forma contínua e progressiva, nos termos recomendados pelo CIG, cada órgão contará com um Comitê Interno de Governança (ou colegiado que lhe faça as vezes). O papel desses comitês internos na política de governança é fundamental, funcionando como a necessária ponte de ligação entre o CIG e os responsáveis pela execução da política (alta administração).

As suas competências, definidas no art. 15 - A, refletem essa importância: i) auxiliar a alta administração na implementação e na manutenção de processos, estruturas e mecanismos adequados à incorporação dos princípios e das diretrizes da governança previstos no decreto; ii) incentivar e promover iniciativas que busquem implementar o acompanhamento de resultados no órgão ou na entidade, que promovam soluções para melhoria do desempenho institucional ou que adotem instrumentos para o aprimoramento do processo decisório; iii) promover e acompanhar a implementação das medidas, dos mecanismos e das práticas organizacionais de governança definidos pelo CIG em seus manuais e em suas resoluções; e iv) elaborar manifestação técnica relativa aos temas de sua competência.

Note-se, no entanto, que o decreto não determina que essas atribuições devam ser exercidas por um colegiado criado exclusivamente para esse fim – tanto que possibilita que as competências correspondentes sejam atribuídas a colegiado já existente (art. 14). Isso viabiliza a utilização dos comitês internos para tratamento de outros temas relacionados à governança.

Atualmente, há funções que podem ser concentradas no respectivo Comitê Interno de Governança do órgão ou da entidade, entre outras que a alta administração considerar pertinente, tais como:

  • da unidade de gestão da integridade (Portaria nº 1.089, de 2018, da Controladoria-Geral da União);
  • do comitê de gestão de integridade, riscos e controles internos (Instrução Normativa nº 01, de 2016, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão/Controladoria-Geral da União); e
  • do comitê permanente de desburocratização (Decreto sem número de 7 de março de 2017).

 

Em outras palavras, um único colegiado – e não importa o nome que receba – pode concentrar todas essas competências. Isso permite, na maior parte das vezes, um tratamento mais ponderado de cada um dos temas específicos e torna mais provável sua efetiva operacionalização. Como exemplo de comitê interno que concentra essas atividades, vide o caso do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) (boxe 15).

 

BOXE 15 – COMITÊ INTERNO DE GOVERNANÇA: CASO PRÁTICO

Em 2017, o MDIC empreendeu importante agenda de melhoria das estruturas, instrumentos e processos de governança ao longo dos últimos anos. Inicialmente, destaca-se o processo de formulação, monitoramento e avaliação do planejamento estratégico institucional 2016- 2019, que se aproveitou das lições aprendidas com planejamentos anteriores, dando enfoque aos os aspectos que permitissem seu adequado monitoramento e avaliação. Para esse fim, o ministério contou também com o suporte de um sistema informatizado, denominado Central de Monitoramento e Avaliação, utilizado para o acompanhamento do progresso das ações pactuadas nos planos institucionais.

Buscando assegurar o sucesso da implementação deste plano, em 18 de janeiro de 2017, foi instituído o Comitê de Governança Estratégica (CGE), cuja atuação efetiva possibilitou que a implementação do planejamento estratégico passasse a ser, de forma sistemática e organizada, efetivamente acompanhada pela alta administração da instituição, contribuindo sobremaneira para a consolidação do planejamento estratégico como instrumento de gestão e locus privilegiado de articulação, alinhamento e mobilização das unidades administrativas do ministério.

O CGE foi instituído como instância colegiada superior da governança do planejamento estratégico e ao longo do tempo ganhou novas competências de acordo com os novos normativos e as oportunidades de aprimoramento de sua atuação, se tornando também instância colegiada superior da desburocratização, do monitoramento e da avaliação de políticas e da gestão de riscos.

Com a publicação do Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017, verificou-se nova oportunidade de qualificar a discussão das políticas e ações de melhoria da governança do órgão com a participação de representantes de todas as secretarias, a partir da criação do subcomitê de governança, na figura de Comitê Interno de Governança. Tal escolha se justificou também pela importância de uma discussão mais aprofundada sobre o tema, para permitir a construção de soluções conjuntas e evolutivas para importantes desafios enfrentados no órgão em relação à governança.

O subcomitê tem a participação de representantes e suplentes de todas as secretarias, do Gabinete do Ministro, do controle interno e outras áreas que atuam na governança de pessoas e tecnologia da informação (TI) do órgão. Além de possuir as competências previstas no decreto quanto ao auxílio à alta administração na implementação e na manutenção de processos, estruturas e mecanismos adequados à incorporação dos princípios e das diretrizes da governança, o colegiado se tornou um espaço de discussão, alinhamento e disseminação das ações em torno do tema da governança.

Destaca-se, nesse contexto, a proposição, pelo subcomitê de governança, do Plano de Ação de Governança do MDIC para os próximos dois anos, que foi aprovado pelo CGE por meio da Resolução nº 04, de 24 de julho de 2018. O plano contendo 38 ações de melhoria da governança do MDIC será monitorado pelo subcomitê e os principais destaques e desafios na sua implementação deverão ser relatados nas reuniões do CGE.

 

Constituído o comitê, é de suma importância que a nova estrutura participe do desenvolvimento de eventual plano de execução da política de governança, instrumento de planejamento estratégico que pode dar mais previsibilidade e coesão à implementação da política.

Nota-se, portanto, que a execução da política de governança depende da construção de um arcabouço institucional inicial, que servirá de base para que o órgão avance de forma consistente. Assim, ao criar o Comitê Interno de Governança e construir um plano para execução da política, alguns fatores devem ser considerados (tabela 5).

TABELA 5 - COMO INICIAR A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE GOVERNANÇA
Não copie. Permita-se inovar
Olhe para suas fragilidades.
Racionalize. Simplifique. Sistematize.
Busque inspiração em modelos preexistentes, mas lembre-se que o comitê e o plano devem se adaptar à realidade do órgão. Soluções personalizadas e contextualizadas podem ser mais vantajosas.
A identificação de gargalos e fragilidades é um processo complexo e deve ser conduzido pela alta administração, com o envolvimento de todas as áreas. Os indicadores existentes podem auxiliar, mas é fundamental que o diagnóstico seja fruto de um processo interno consistente e baseado em evidências.
O Comitê Interno de Governança pode servir como uma espécie de guarda-chuva para outros colegiados que o órgão já criou ou terá que criar, evitando que temas relacionados à governança sejam objetos de múltiplas instâncias dentro do órgão. Um sistema coordenado, coerente e simples pode ser mais eficiente.

 

Construído o arcabouço institucional inicial, a execução da política de governança passa por levar em consideração as recomendações do CIG e, principalmente, por um constante desenvolvimento das funções da instituição. Para isso, alguns fatores devem ser considerados, conforme exposto na tabela 6.

 

TABELA 6 - COMO MANTER A EXECUÇÃO DA POLÍTICA DE GOVERNANÇA
Faça o básico bem feito.
Não jogue com o regulamento embaixo do braço.
É errando que se aprende.
Levante a mão. Seja propositivo.
Implementar os patamares básicos de governança de forma consistente deve ser o foco inicial do órgão. Avançar na internalização de outros elementos mais complexos pode ser feito gradualmente.
Não se trata apenas de criar um arranjo que faça sentido, ter um plano e realizar reuniões periódicas. O foco deve ser no resultado, não no relatório que demonstra o cumprimento das formalidades.
Melhorar a governança da instituição é um processo constante e gradual, no qual serão cometidos inúmeros erros. A experimentação – e os erros dela decorrentes – é essencial para que o resultado seja consistente.
As dúvidas sobre a execução da política podem ser remetidas à secretaria executiva do CIG, assim como é possível enviar propostas para melhoria da governança. Boas iniciativas merecem ser compartilhadas.

 

 

BOXE 16 – IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE GOVERNANÇA: CASO PRÁTICO

Um dos elementos básicos da governança pública previsto no Decreto nº 9.203, de 2017, é manter o processo decisório orientado por evidências. Por esse motivo, para subsidiar a construção de sua política de governança, o então MDS1 optou por realizar um diagnóstico compreensivo do atual estágio dos pilares sobre os quais se baseia a governança.

Para a estruturação do processo de diagnóstico, foi solicitado apoio técnico ao Ipea, por intermédio da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia, e à Escola Nacional de Administração Pública, por meio da Diretoria de Inovação.

A abertura do processo de diagnóstico foi realizada com o seminário Governança Pública para o Desenvolvimento Social, evento que foi aberto para todos os servidores do ministério. Em seguida, deu-se início à realização das oficinas, com os seguintes temas: i) planejamento; ii) gestão de pessoas; iii) gestão do conhecimento e da informação; iv) desburocratização; v) gestão de riscos; vi) integridade; vii) participação social, transparência e accountability; e viii) monitoramento e avaliação.

Para cada oficina, foram convidados aproximadamente trinta servidores. O quantitativo de vagas alocadas para cada unidade do ministério variou de acordo com o tema, mas buscou- se assegurar que todas as unidades tivessem representantes presentes nas oficinas.

A estrutura geral das oficinas comportou dois momentos. Pelas manhãs, era realizada uma palestra com um especialista, para promover um alinhamento sobre o tema entre os participantes do evento e levantar problemas e desafios a serem enfrentados e respondidos pelos participantes no âmbito de suas respectivas áreas de atuação. Pelas tardes, eram utilizadas técnicas participativas, conduzidas por facilitadores, que buscaram incentivar os participantes a construir um diagnóstico coletivo sobre a relação do tema em debate com o modelo de governança do então MDS.

Um primeiro exercício realizado pelos participantes foi a construção de um painel de interrelações entre o tema do dia e os demais temas que faziam parte do diagnóstico de governança. Essa prática buscou provocar os participantes para enxergarem como as dimensões da política de governança podem se relacionar e, dessa forma, levantar possíveis lacunas e desafios para a conexão dessas dimensões na construção no modelo de governança do então MDS. Dado que o objetivo das oficinas foi a elaboração de um diagnóstico de governança preparado coletivamente por servidores e colaboradores do então MDS, as dinâmicas seguintes foram realizadas com o suporte de painéis móveis, que possibilitaram a organização e o agrupamento rápido de ideias, assim como viabilizaram uma maior interação entre os participantes da oficina.

Dessa forma, após o painel de inter-relações, buscou-se propor ao grupo a identificação das principais questões relacionadas à gestão do tema tratado no dia, seja por meio de estímulo à reflexão do que faltava ou dos desafios para a melhoria da governança. A partir dessa reflexão, foi possível identificar, por meio da organização das tarjetas utilizadas nos painéis, grandes temas relacionados aos desafios para se aprimorar a gestão do tema em discussão.

Um passo seguinte, que buscou refinar o processo de diagnóstico, foi a utilização desses grandes temas como referência para a construção de árvores de problemas que pudessem explicar as causas e consequências relacionadas ao tema. Todo processo de produção de diagnóstico ocorreu com criação de grupos de trabalho no momento da oficina.

Nesse sentido, as oficinas buscaram propiciar a um conjunto de servidores do ministério uma visão integrada do que é governança e como os seus pilares se relacionam com questões práticas e, ao mesmo tempo, oferecer um espaço para que os próprios servidores expressem suas visões e percepções. Isso permitiu aferir o clima da organização e calibrar os desafios com base na receptividade, no grau de compreensão e na viabilidade de se abrir ou rever determinadas frentes de atuação. Assim, os elementos coletados nas oficinas, em conjunto com outros subsídios, representaram o primeiro passo para a implementação da política de governança no âmbito do então MDS.

 

Note-se, por fim, que as manifestações técnicas do Comitê Interno de Governança (mencionadas no art. 15, inciso IV) poderão ser utilizadas como instrumentos de monitoramento da implementação da política de governança no órgão ou entidade – e, nesse sentido, poderão ser analisadas e consolidadas pelo CIG para reforçar ou reformular suas recomendações.

6.3 AUDITORIA INTERNA GOVERNAMENTAL

Para avaliar e melhorar a eficácia dos processos de governança, de gerenciamento de riscos e de controles internos da gestão, a alta administração pode contar com os serviços de avaliação e de consultoria prestados pela auditoria interna governamental.

O art. 18 do Decreto no 9.203, de 2017, destaca que a auditoria interna governamental deverá adicionar valor e melhorar as operações das organizações para o alcance de seus objetivos, mediante a abordagem sistemática e disciplinada. Ainda segundo o decreto, ela realizará trabalhos de forma independente (art. 18, inciso I), adotará abordagem baseada em risco para o planejamento de suas atividades (art. 18, inciso II) e promoverá a prevenção, a detecção e a investigação de fraudes praticadas por agentes públicos ou privados na utilização de recursos públicos federais (art. 18, inciso III).

No âmbito do Poder Executivo federal, a atividade de auditoria interna governamental deve ser realizada em conformidade com o Referencial Técnico (Instrução Normativa no 3, de 9 de junho de 2017) aprovado pela Secretaria Federal de Controle Interno do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União.

Segundo o documento, para alcançar o propósito de adicionar valor e melhorar as operações das organizações visando atingir seus objetivos, a atividade de auditoria interna governamental no Poder Executivo federal é exercida pelo conjunto de unidades elencadas a seguir:

  • Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) e Controladorias Regionais da União nos estados, que fazem parte da estrutura do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União;
  • Secretarias de Controle Interno (Ciset) da Presidência da República, da Advocacia-Geral da União, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Defesa, e respectivas unidades setoriais; e
  • auditorias internas singulares (Audin) dos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta.

 

Também segundo o Referencial Técnico, para que os órgãos e as entidades da administração pública federal atuem de forma regular e alinhada ao interesse público, alcançando os objetivos definidos, se faz necessário que a alta administração assuma o estabelecimento, a manutenção, o monitoramento e o aperfeiçoamento de controles internos da gestão.

Considerando que o funcionamento dos controles internos da gestão constitui-se em um processo integrado, envolvendo todas as pessoas da organização, as medidas adotadas pela alta administração não excluem as responsabilidades dos gestores dos processos organizacionais e das políticas públicas nos seus respectivos âmbitos de atuação.

A estrutura de controles internos dos órgãos e das entidades da administração pública federal deve contemplar as três linhas de defesa da gestão, comunicando, de maneira clara, as responsabilidades de todos os envolvidos e provendo uma atuação coordenada e eficiente, sem sobreposições ou lacunas. A tabela 7 apresenta de forma sintética o conceito das três linhas de defesa.

 

TABELA 7 - LINHAS DE DEFESA
Primeira linha de defesa

Situada ao nível da gestão, a primeira linha de defesa é responsável por identificar, avaliar, controlar e mitigar os riscos, guiando o desenvolvimento e a implementação de políticas e procedimentos internos destinados a garantir que as atividades sejam realizadas de acordo com as metas e objetivos da organização.

A primeira linha contempla os controles primários, que devem ser instituídos e mantidos pelos gestores responsáveis pela implementação das políticas públicas durante a execução de atividades e tarefas, no âmbito de seus macroprocessos finalísticos e de apoio. 

De forma a assegurar sua adequação e eficácia, os controles internos devem ser integrados ao processo de gestão, dimensionados e desenvolvidos na proporção requerida pelos riscos, de acordo com a natureza, a complexidade, a estrutura e a missão da organização.

Segunda linha de defesa

As instâncias de segunda linha de defesa estão situadas ao nível da gestão e objetivam assegurar que as atividades realizadas pela primeira linha sejam desenvolvidas e executadas de forma apropriada.

Essas instâncias são destinadas a apoiar o desenvolvimento dos controles internos da gestão e realizar atividades de supervisão e de monitoramento das ações desenvolvidas no âmbito da primeira linha de defesa, que incluem gerenciamento de riscos, conformidade, verificação de qualidade, controle financeiro, orientação e treinamento.

Os assessores e as Assessorias Especiais de Controle Interno (AECIs) nos ministérios integram a segunda linha de defesa e podem ter sua atuação complementada por outras estruturas específicas definidas pelas próprias organizações.

Terceira linha de defesa

A terceira linha de defesa é representada pela atividade de auditoria interna governamental, que presta serviços de avaliação e de consultoria com base nos pressupostos de autonomia técnica e de objetividade.

A atividade de auditoria deve ser desempenhada com o propósito de contribuir para o aprimoramento das políticas públicas e a atuação das organizações que as gerenciam. Os destinatários dos serviços de avaliação e de consultoria prestados pelas unidades são a alta administração, os gestores das organizações e entidades públicas federais e a sociedade.

As unidades de auditoria interna governamental devem apoiar os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal na estruturação e no efetivo funcionamento da primeira e da segunda linha de defesa da gestão, por meio da prestação de serviços de consultoria e avaliação dos processos de governança, gerenciamento de riscos e controles internos.

  

Considerando a posição da auditoria interna governamental na terceira linha de defesa, para cumprir a missão de adicionar valor e melhorar as operações das organizações para o alcance de seus objetivos é de relevo que a sua atividade auxilie o gestor na estruturação e no efetivo funcionamento das duas primeiras linhas de defesa, por meio da prestação de serviços de avaliação e consultoria.

Ainda segundo o Referencial Técnico, os serviços de avaliação compreendem a análise objetiva de evidências pelo auditor interno governamental com vistas a fornecer opiniões ou conclusões em relação à execução das metas previstas no plano plurianual; à execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; à regularidade, à economicidade, à eficiência e à eficácia da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e nas entidades da administração pública; e à regularidade da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado.

O citado referencial também aborda que os serviços de consultoria representam atividades de assessoria e aconselhamento, realizados a partir da solicitação específica dos gestores públicos. Esses serviços devem abordar assuntos estratégicos da gestão, como os processos de governança, de gerenciamento de riscos e de controles internos, e ser condizentes com os valores, as estratégias e os objetivos da organização. Ao prestar serviços de consultoria, destaca-se que a auditoria interna governamental não deve assumir qualquer responsabilidade que seja da gestão.

 

6.4 UNIDADES DE GESTÃO DA INTEGRIDADE

O Decreto nº 9.203, de 2017, trouxe, em seu art. 19, inciso II, a previsão de existência de uma unidade responsável pela implementação de um programa de integridade nos órgãos e nas entidades da administração pública federal. A Portaria nº 1.089, de 2018, da ControladoriaGeral da União define esses arranjos como unidades de gestão da integridade e elenca, em seu art. 4º, as suas características e competências.

A unidade de gestão da integridade é aquela que vai coordenar a estruturação, a execução e o monitoramento do programa de integridade, zelando pela implementação das medidas arroladas nesse plano e buscando promover a efetividade do programa.

Para isso, ela deve ser dotada de autonomia e de recursos materiais e humanos necessários para o pleno desempenho das suas atividades e, em especial, ter acesso às demais unidades da instituição e ao seu mais alto nível hierárquico.

O programa de integridade, por sua vez, é o conjunto de medidas e ações institucionais voltadas para a prevenção, detecção, punição e remediação de fraudes e atos de corrupção. Em outras palavras, é uma estrutura de incentivos organizacionais – positivos e negativos – que visa orientar e guiar o comportamento dos agentes públicos de forma a alinhá-los ao interesse público.

A estruturação do programa de integridade será composta por três etapas: i) o levantamento da situação das unidades de integridade e, caso necessário, o estabelecimento de medidas para sua criação ou fortalecimento; ii) o levantamento de riscos para a integridade e o estabelecimento de medidas de tratamento; e iii) a elaboração e aprovação do Plano de Integridade.

Como condição fundamental para esta estruturação, consta a designação de uma unidade de gestão da integridade, que pode ser incorporada no âmbito do Comitê Interno de Governança.

Conforme o decreto, os programas de integridade devem estar estruturados nos seguintes eixos, a partir dos quais se desenvolverão as ações e medidas que darão conteúdo ao Plano de Integridade:

  • comprometimento e apoio da alta administração;
  • existência de unidade responsável pela implementação no órgão ou na entidade;
  • análise, avaliação e gestão dos riscos associados ao tema da integridade; e
  • monitoramento contínuo dos atributos do programa de integridade.

Instituir um programa de integridade não significa lidar com um assunto novo, mas valer-se de temas já conhecidos pelas organizações de maneira mais sistematizada. Nesse sentido, seus instrumentos incluem diretrizes já adotadas através de atividades, programas e políticas de auditoria interna, correição, ouvidoria, transparência e prevenção à corrupção, organizadas e direcionadas para a promoção da integridade institucional.

Assim, um programa de integridade deve fazer com que os responsáveis pelas atividades mencionadas e áreas afins trabalhem juntos e de forma coordenada – promovendo, dessa forma, uma atuação íntegra e minimizando os possíveis riscos para a integridade.

Por fim, vale ressaltar que a adoção da gestão da integridade através de um programa específico dá visibilidade ao tema e às medidas propostas para promovê-lo. Tal atuação permite que os tomadores de decisão no âmbito da organização se apoiem em uma equipe e em políticas especializadas no âmbito preventivo e lancem mão de um conjunto coerente de ações sempre que uma ameaça à integridade da organização seja identificada.

 

6.5 ASSESSORIAS JURÍDICAS

Como já foi demonstrado no primeiro capítulo deste guia, a boa governança é um meio para atingir um fim: identificar as necessidades dos cidadãos e ampliar os resultados esperados. Com esse objetivo em mente, o Banco Mundial propõe três princípios norteadores, entre eles, o de “pensar não apenas sobre o estado de direito, mas também sobre o papel da lei” (Banco Mundial, 2017, p. 71).

Há muito se estabeleceu que o estado de direito – que, em sua essência, exige que funcionários do governo e cidadãos sejam obrigados pela lei e atuem consistentemente com ela – é a própria base da boa governança necessária para realizar o pleno potencial social e econômico. Estudos empíricos revelaram a importância da lei e das instituições legais para melhorar o funcionamento de instituições específicas, aumentar o crescimento, promover direitos de propriedade, melhorar o acesso ao crédito e proporcionar justiça na sociedade (Banco Mundial, 2017, p. 83, tradução nossa).2

Portanto, apesar da inegável importância de se garantir o estado do direito, o desafio das assessorias jurídicas3 passa também por enxergar o papel da lei, ou seja, a “forma instrumental por meio da qual grupos e indivíduos na sociedade usam o direito como um meio de promover, reforçar e institucionalizar interesses ou objetivos” (Banco Mundial, 2017, p. 96). Isso passa pelo reconhecimento de que as “intervenções legais devem assegurar que as formas prescritas pela lei sejam capazes de demonstrar compromisso e induzir uma ação coletiva em direção ao objetivo desejado” (op. cit., p. 97).

Nesse sentido, as assessorias jurídicas podem exercer um papel primordial, que ultrapassa em muito o mero controle formal da legalidade dos atos administrativos. Espera-se que a advocacia pública desenvolva as capacidades de: i) atuar ao lado dos gestores públicos, acompanhando permanentemente as atividades da organização; ii) propor soluções jurídicas para que os atos da administração não conflitem com a ordem jurídica estabelecida; e iii) monitorar os padrões de judicialização das atividades da organização.

As assessorias jurídicas não podem ser compreendidas como instâncias a serem consultadas posteriormente, apenas para asseverar a legalidade formal dos atos administrativos pretendidos. Os advogados públicos podem ser partes ativas na construção de soluções jurídicas mais adequadas ao cumprimento dos objetivos da organização, em constante cooperação com os gestores públicos. Logo, a boa governança requer uma advocacia pública estável e permanente, que compreenda profundamente as atividades desempenhadas pela organização e os resultados por ela pretendidos.

Essa atitude cooperativa requer esforços mútuos. Por um lado, demanda dos gestores que superem uma série de estereótipos construídos em torno do papel desempenhado pela advocacia pública, tais como o de que esta atua sempre contrariamente aos interesses da administração, não assume responsabilidades com o cumprimento dos objetivos organizacionais e destina-se apenas a “dizer não”. Por outro lado, impõe aos advogados públicos uma atuação muito mais voltada à construção permanente de soluções, em detrimento de uma atividade meramente binária de controle formal a posteriori.

Um aspecto normalmente negligenciado nas relações entre a gestão e a advocacia pública diz respeito à necessidade de monitorar permanentemente os padrões de judicialização das atividades da organização. Uma política pública que se judicializa frequentemente certamente apresenta problemas de desenho ou de implementação, que precisam ser de conhecimento da gestão para que essa possa atuar no sentido de propor as correções necessárias. Entretanto, se houver um distanciamento entre as áreas consultiva e de contencioso da advocacia pública, esses alertas podem não ocorrer no momento adequado, gerando grandes passivos para a administração pública.

Assim, embora isso não esteja explicitamente arrolado no Decreto nº 9.203, de 2017, as assessorias jurídicas desempenham papel relevante para o sucesso da política de governança, por auxiliarem a administração pública no desenvolvimento de políticas mais efetivas a partir de uma constante melhoria regulatória.

Por fim, a boa governança se faz com o esforço de todos, como organizações, agentes públicos, cidadãos e demais interessados participando do desenvolvimento de uma nação em prol do bem comum.

 


1. Atualmente, Secretaria Especial do Desenvolvimento Social (Decreto nº 9.674/2019, no dia 2 de janeiro de 2019). [voltar]

2. “It has long been established that the rule of law— which at its core requires that government officials and citizens be bound by and act consistently with the law—is the very basis of the good governance needed to realize full social and economic potential. Empirical studies have revealed the importance of law and legal institutions to improving the functioning of specific institutions, enhancing growth, promoting secure property rights, improving access to credit, and delivering justice in society.” [voltar]

3. As atividades de consultoria e assessoramento jurídico dos órgãos do Poder Executivo são exercidas, no plano da União, pelos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União, e, quanto aos demais entes federativos, pelas respectivas advocacias públicas. [voltar]

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