O Decreto no 9.203, de 2017, apresenta uma lista sintética de princípios e diretrizes de governança, definida a partir: i) das recomendações mais atuais de organizações internacionais especializadas no tema, em especial a OCDE e o Banco Mundial; ii) de referenciais de governança do Tribunal de Contas da União; e iii) de uma revisão da literatura especializada.
PRINCÍPIOS DE GOVERNANÇA
A indicação de elementos abertos para auxiliar a atuação pública faz parte da tradição normativa brasileira. É o caso, por exemplo, dos princípios constitucionais que orientam a atividade administrativa – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Apesar de difundida, a aplicação desses princípios nem sempre permite definir facilmente o melhor interesse da sociedade no caso concreto.
Nesse sentido, a primeira função pretendida para os princípios e diretrizes de governança é servir como um elemento de conexão entre esses princípios constitucionais e a atuação do agente público. Dessa forma, pretende-se que este tenha preceitos mais práticos para que sua atuação se mantenha centrada no cidadão e no cumprimento cada vez mais fiel de sua missão pública.
Espera-se, além disso, que a aplicação dos princípios e diretrizes de governança reforce o conteúdo normativo dos princípios constitucionais, expandindo seus respectivos campos de interpretação.
BOXE 7 – LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB) E A PROMOÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA
A Lei no 13.655, de 25 de abril de 2018, incluiu diversas alterações na LINDB (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 setembro de 1942), com o objetivo principal de promover a segurança jurídica. Essas alterações, quando visualizadas sob a perspectiva da atividade administrativa, buscam corrigir problemas relativos aos processos decisório e controlador. Assim, os órgãos responsáveis por essas funções são instados a evitar decisões baseadas em valores jurídicos abstratos e, se for o caso, considerar as consequências práticas dessas deliberações.
A regra da LINDB perpassa uma discussão sobre a força normativa de princípios jurídicos e os resultados oriundos da aplicação desses “valores jurídicos abstratos” em decisões administrativas e controladoras. Se, de um lado, reconhece a possibilidade de que sejam aplicados – no que, aliás, não se difere da moderna hermenêutica constitucional –, do outro, busca estabelecer limites à interpretação dos conteúdos normativos desses princípios, instando o responsável pela decisão a levar em consideração as consequências práticas de seu ato.
Essa regra, portanto, está em sintonia com o princípio da melhoria regulatória e contribui para o desenvolvimento de um processo decisório baseado em evidências. Garante, inclusive, que os princípios da governança pública não sejam utilizados como único fundamento de decisões administrativas e controladoras: há de se verificar, pela própria consistência sistêmica que a aplicação coordenada desses princípios demanda, quais são os efeitos práticos da decisão. Mais do que verificar esses efeitos, é essencial que a decisão que imponha uma medida ou que invalide ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa seja necessária e adequada em face das alternativas possíveis. Esse estudo das opções disponíveis pode ser realizado por meio de instrumentos já consagrados, como a análise de impacto regulatório – cuja metodologia é descrita no Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório – guia AIR1.
Portanto, não se impõe o exame de necessidade e adequação de decisões fundamentadas em dispositivos específicos de lei, o que demonstra que a deferência à legalidade se mantém intacta – como não poderia ser diferente. No entanto, a LINDB abre espaço para uma mudança de cultura no que tange ao cuidado no emprego do poder decisório – que, existindo para o cumprimento de uma função pública, deve refletir parcimônia e zelo pela coisa pública.
Uma nova cultura decisória, que leve em consideração as diferentes alternativas e seja ancorada em evidências robustas, pode trazer maior segurança jurídica para as esferas administrativa e controladora, contribuindo para a confiabilidade da atuação desses órgãos.
Além de eficiência, é necessário garantir a capacidade de resposta; a publicidade deve incorporar a transparência e a prestação de contas; não há legalidade que possa se desvincular da confiabilidade.
Outra função dos princípios e diretrizes de governança é servir como o principal arcabouço normativo-prescritivo para o desenvolvimento da política de governança, delimitando as competências dos atores e estruturas envolvidos na sua execução e coordenação. Em outras palavras, os princípios e as diretrizes representam o norte da política.
Essa delimitação temática ajuda na condução da política, mas não restringe o alcance do que órgãos e entidades podem realizar para aprimorar sua governança. Não é difícil notar que qualquer lista que prescreva elementos norteadores para melhorar a governança é orientativa – e não um inventário fechado de soluções prontas.
Por fim, é importante ressaltar que a aplicação dos princípios é necessariamente coordenada. As medidas e os arranjos institucionais que busquem incorporar algum deles devem considerar, portanto, outras dimensões dos demais que possam influenciar esse processo – por exemplo, uma decisão com ampla transparência, mas que não resolve o problema, porque é intempestiva, não observou o princípio da capacidade de resposta.
BOXE 8 – PRINCIPAIS ASPECTOS DE UMA POLÍTICA DE GOVERNANÇA
Seja explícita ou implicitamente, os governos têm uma política de governança. Ou seja, eles possuem um conjunto de políticas que são combinadas para estruturar como o governo funciona internamente e em relação ao público. Assim, é importante deixar evidente essa política de governança para que os indivíduos que trabalham no setor público compreendam claramente seus direitos e responsabilidades. Da mesma forma, é fundamental que o cidadão esteja ciente do que deve esperar do setor público para que possa defender seus próprios direitos.
Essa política de governança deve observar alguns aspectos principais.
O primeiro seria definir a natureza da accountability no sistema político (Mulgan, 2000). Em um sistema democrático, tanto dentro do próprio setor público quanto em relação ao público, é preciso haver mecanismos que possam avaliar o desempenho do governo e responsabilizar os atores oficiais por improbidade ou erro grosseiro. Há o perigo de que esses instrumentos de prestação de contas possam impedir a tomada de riscos e retardar a ação, mas esses riscos devem ser equilibrados com a capacidade de impor padrões de probidade nas ações do governo.
Segundo, uma política de governança exigirá um conjunto claro de procedimentos para que os cidadãos possam saber como as decisões relativas a eles – sejam elas sobre benefícios sociais, licenças, penalidades ou qualquer outro tema – estão sendo tratadas pelo setor público. Em outras palavras, as ações do sistema administrativo devem ser transparentes e permitir que os cidadãos acessem e contestem as decisões administrativas. Isso está intimamente relacionado, é claro, com as regras de accountability, mas é mais pessoal (cidadãos individuais) e está mais ligado à prestação de serviços.
Terceiro, e seguindo o exposto, uma política de governança deve promover o estado de direito. Isso está implícito nos dois pontos anteriores, mas também deve ser explicitado (Licht, Goldschmidt e Schwartz, 2007). O estado de direito é importante para os cidadãos, para que os seus direitos possam ser protegidos. Da mesma maneira, é importante para as empresas, pois garante que os contratos serão executáveis e que as decisões do governo não serão caprichosas. Além disso, permite que o governo faça “compromissos confiáveis” (North, 1993) para indivíduos e firmas que podem depender de políticas sendo executadas como planejado.
Quarto, uma política de governança deve abordar os funcionários do setor público. Proporcionar boa governança requer pessoas capacitadas e motivadas, que trabalhem pelo interesse público. Os requisitos para compor esse quadro de pessoal qualificado geralmente levam a um serviço público baseado em carreiras e meritocrático, capaz de aconselhar políticos e implementar políticas. No entanto, mesmo não concursados, indivíduos comprometidos e com as habilidades necessárias podem trabalhar efetivamente no governo, desde que também aceitem as normas do interesse público.
Quinto, uma política de governança é sobre o uso de todos os princípios anteriores para prestar serviços aos cidadãos. A governança não é somente sobre o controle de atores dentro do setor público, e é mais do que apenas estabelecer as condições sob as quais os negócios podem funcionar com o mínimo de interferência. É muito sobre a criação de capacidade para o governo entregar programas ao público e usar seus Poderes para melhorar as condições dos cidadãos (Pierre e Peters, 2016). Demasiadas vezes, a governança pode olhar para dentro do próprio setor público, mas, em última análise, deve olhar para fora, para a sociedade.
O conteúdo normativo desses princípios, as diretrizes a eles relacionadas e alguns exemplos de sua aplicação serão apresentados em cada um dos itens seguintes.A OCDE, na mesma linha, afirma que a boa governança é um meio para atingir um fim, qual seja, identificar as necessidades dos cidadãos e ampliar os resultados esperados (OCDE, 2017).
4.1 CAPACIDADE DE RESPOSTA
A capacidade de resposta (do inglês, responsiveness) representa a competência de uma instituição pública de atender de forma eficiente e eficaz às necessidades dos cidadãos, inclusive antevendo interesses e antecipando aspirações.
Segundo a mais importante publicação da ONU voltada à análise da governança pública, o World Public Sector Report (United Nations, 2015, p. 4), a capacidade de resposta é – juntamente com a prestação de contas – um dos princípios fundamentais da governança e representa um viabilizador transversal essencial para o desenvolvimento de um país. Por isso, esse é talvez o princípio mais importante entre os estabelecidos pela política de governança.
Segundo a mesma publicação, no entanto, apenas trinta Estados-membros da ONU incluíam a capacidade de resposta entre os mais relevantes padrões de conduta no serviço público (United Nations, 2015, p. 34).
Com o Decreto no 9.203, de 2017, o Brasil começou a fazer parte desse seleto grupo e deu continuidade a um processo de aproximação com o cidadão que afetará, especialmente, a forma de atuação das lideranças no serviço público federal.
A governança responsiva exige que os servidores públicos atuem além das ordens e sejam proativos. Para fortalecer a capacidade de resposta do serviço público, a capacitação em áreas como inovação, foco no cliente e no cidadão, liderando por meio de influência, colaboração, gerenciamento de projetos, gerenciamento financeiro e negociação, entre muitos outros, será necessária. Acima de tudo, é preciso incutir um firme compromisso de servir os cidadãos (United Nations, 2015, p. 37, tradução nossa) 2.
Sintetizando os principais elementos necessários para implementar esse princípio, o decreto prevê, nos incisos I e II do art. 4o, duas diretrizes de governança: i) direcionar ações para a busca de resultados para a sociedade, encontrando soluções tempestivas e inovadoras para lidar com a limitação de recursos e as mudanças de prioridades; e ii) promover a simplificação administrativa, a modernização da gestão pública e a integração dos serviços públicos, especialmente aqueles prestados por meio eletrônico.
A primeira diretriz (art. 4o, inciso I) é uma das mais relevantes do decreto, uma vez que sintetiza uma parte fundamental da política: o foco no cidadão. Para além de promover o interesse público, essa diretriz demonstra a importância da antecipação das necessidades da sociedade e da superação das limitações orçamentárias – especialmente a partir de práticas inovadoras. A ideia de que a atuação pública deve se pautar pela busca de soluções integradas, inovadoras e personalizadas já se tornou uma premissa em diversos países do mundo, que reconhecem e tentam lidar com demandas cada vez mais complexas por parte de quem financia o Estado. Nesse sentido, o E-Government Survey 2012 da ONU sintetiza esse novo momento nos seguintes termos.
Nos últimos anos, tem havido uma mudança de ênfase: de descentralização estrutural, desagregação e organizações de propósito único para uma abordagem mais integrada à prestação de serviços públicos. Com múltiplas nomenclaturas, como “governo de balcão único”, “governo unido” e “governo integral”, o movimento de silos isolados na administração pública para redes formais e informais é uma tendência global impulsionada por várias forças sociais, como: i) a crescente complexidade dos problemas, que exigem respostas colaborativas; ii) o aumento da demanda por parte dos cidadãos por serviços públicos mais personalizados e acessíveis, que devem ser planejados, implementados e avaliados com sua participação; e iii) as oportunidades apresentadas pela internet para transformar a forma como o governo trabalha para o povo (United Nations, 2012, p. 55, tradução nossa) 3.
A segunda diretriz (art. 4o, inciso II) reforça a importância de iniciativas e práticas voltadas à racionalização administrativa. Note-se que simplificar a atividade administrativa e modernizar a gestão pública já são objetivos centrais de diversas políticas nacionais e encontram respaldo em alguns arranjos institucionais.
A integração dos serviços públicos também é uma necessidade cada vez mais premente. Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ao analisar casos de sucesso na reforma de serviços públicos a partir de uma perspectiva centrada no cidadão, aponta três vetores fundamentais para uma mudança consistente: integração, simplificação e gerenciamento. Prossegue, ainda, afirmando a necessidade de “liderança e alinhamento com uma visão estratégica comum que coloque as necessidades e expectativas do cidadão como referência da ação governamental” (Farias, García e Zanabria, 2016, p. 33).
Nesse sentido, ter um portal único que dê ao cidadão amplo acesso aos serviços públicos prestados pelo governo é um ótimo exemplo de integração. Note-se, no entanto, que há uma percepção de que a sociedade vai exigir cada vez mais em relação a esses temas, o que demanda um constante aprimoramento do compromisso estatal com os objetivos traçados na diretriz.
Por fim, vale ressaltar que para aumentar a capacidade de resposta é essencial ter abertura à inovação. Nesse sentido, redes de boas práticas relacionadas a temas específicos podem servir como um importante canal de difusão de novas ideias e de arranjos mais eficientes. A celeridade das mudanças exigida pelo cidadão não se compatibiliza com estruturas herméticas, autorreferentes e fechadas ao compartilhamento.
4.2 INTEGRIDADE
A integridade tradicionalmente representa a busca pela prevenção da corrupção e pelo fortalecimento dos padrões morais de conduta. Daí se afirmar que:
integridade pública refere-se ao alinhamento consistente e à adesão de valores, princípios e normas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público sobre os interesses privados no setor público (OCDE, 2017b).
O alcance desse princípio na política de governança, no entanto, é maior e vai além de questões éticas. A integridade é reconhecida como um instrumento para que “a economia seja mais produtiva, o setor público mais eficiente e a sociedade mais inclusiva” (OCDE, 2012).
Dessa forma, a interpretação do princípio deve ser feita em conjunto com os demais presentes no decreto e deve levar em consideração o principal objetivo do ato normativo: permitir que o cidadão esteja sempre no centro das decisões e ações da administração pública. Isso evita que a absolutamente necessária luta contra a corrupção e contra os desvios de conduta seja um fim em si mesmo e, eventualmente, um entrave à adoção de práticas inovadoras na gestão pública e à capacidade do governo de dar respostas tempestivas aos problemas apresentados.
O conteúdo do princípio remete, portanto, à busca do difícil equilíbrio entre a punição de gestores que se valem da máquina pública para defender fins privados e ilícitos e a preservação do necessário espaço para que agentes movidos pelo espírito público possam buscar soluções inovadoras – e, eventualmente, mais arriscadas – para satisfazer os interesses da sociedade.
Nesse cenário, o papel do controle interno ganha contornos mais complexos. Por isso, uma das diretrizes ligadas ao princípio determina que se devem “implementar controles internos fundamentados na gestão de risco, que privilegiará ações estratégicas de prevenção antes de processos sancionadores” (Brasil, 2017a, art. 4o, VI).
O dispositivo, extraído de uma das recomendações da OCDE ao realizar a avaliação do sistema de integridade do setor público, traduz perfeitamente essa relação entre os princípios constantes no decreto e sintetiza a preocupação em não transformar os mecanismos de controle em inibidores da boa gestão pública.
Importante ressaltar que, a despeito de o controle fazer parte de um programa de integridade efetivo, integridade e controle não são sinônimos. O controle interno é uma função que, junto com as demais, contribui para a boa gestão da integridade. Controles excessivos, inclusive, podem ser contraproducentes e atuar contra a boa gestão da integridade. Nesse sentido, a diretriz demonstra a importância de o controle interno atuar na prevenção, agindo na mitigação das vulnerabilidades e evitando a reincidência em casos futuros. No entanto, para garantir que todos os aspectos da integridade sejam preservados, é necessário observar outros pontos.
Uma política de integridade, segundo a OCDE, deve ter uma abordagem dependente do contexto, comportamental e baseada em risco. Além da criação de uma cultura de integridade em toda a sociedade, é importante haver um sistema de integridade coerente e abrangente e uma real prestação de contas. A tabela 1, a seguir, sintetiza as recomendações da OCDE (2017b) sobre o tema.
A mudança de cultura baseada na mudança de comportamento vem sendo o cerne para o sucesso da integridade nas instituições. Essa é a tendência mundial no tema, corroborada pela recente publicação da OCDE, Behavioural Insights for Public Integrity (OCDE, 2018). O estudo do elemento comportamental é de suma importância para que se compreendam as causas das quebras de integridade.
Importante, portanto, para se incentivar um ambiente de integridade, que se privilegie o diálogo entre os tomadores de decisão e os responsáveis pelas unidades e funções que compõem a gestão da integridade, que terão a prerrogativa – e o dever – de apoiar o processo decisório por meio de abordagens baseadas no risco (risk-based approach).
Além disso, reconhecendo que nem sempre os diagnósticos iniciais e as ações de mitigação terão os efeitos esperados, impõe-se aos controles internos que mantenham uma perspectiva de atuação voltada à prevenção daquela falha, ao invés de simplesmente focarem a atribuição de responsabilidade e a instauração de processos sancionadores.
Ao basear os esforços de promoção da integridade em um modelo de processo decisório racional, em que as práticas indesejadas são combatidas por meio de incentivos positivos e negativos, sem levar em consideração a dimensão individual do comportamento humano, os resultados não têm sido os mais satisfatórios. Como ressalta a OCDE:
recomendações comuns de políticas derivadas disso incluem controles e sanções, bem como a redução da discricionariedade dos tomadores de decisão a fim de diminuir suas oportunidades de mau comportamento. Em alguns casos, isso levou ao excesso de regulamentação, ao estabelecimento de controles paralisantes e à desconfiança na administração pública (OCDE, 2018, p. 3, tradução nossa) 4.
Também é importante mencionar que, a despeito do citado código, voltado para a alta administração, os órgãos e entidades podem dispor de códigos de ética e conduta para os agentes públicos que sejam baseados nas suas especificidades. Esses códigos, por sua vez, devem observar aquilo que estabelece o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, criado por meio do Decreto no 1.171, de 22 de junho de 1994.
Para além de garantir a plena efetividade do que tem sido disciplinado nesses códigos, a diretriz reitera e reforça o dever da alta administração de liderar pelo exemplo. Ainda que o grau de responsabilidade dos servidores públicos varie de acordo com as funções e atribuições próprias e também de seus respectivos órgãos e entidades, as condutas dos líderes no sentido de fortalecer a integridade na administração pública podem ser replicadas em todas as instâncias inferiores – e, ao serem voluntariamente implementadas pelas lideranças, tendem a ser mais aceitas e observadas pelos servidores.
No item 6.4 será discutida a forma de organização dos programas de integridade dos órgãos e entidades da administração pública federal.
4.3 CONFIABILIDADE
A confiabilidade (do inglês, reliability) representa a capacidade das instituições de minimizar as incertezas para os cidadãos nos ambientes econômico, social e político. (OCDE, 2017c, p. 24). Por isso, uma instituição confiável tem que se manter o mais fiel possível aos objetivos e diretrizes previamente definidos, passar segurança à sociedade em relação a sua atuação e, por fim, manter ações consistentes com a sua missão institucional.
Nesse sentido, o princípio está intimamente ligado à observância das diretrizes estratégicas e ações prioritárias previamente discutidas e comunicadas à população. Essa interlocução deve ressaltar não só a importância de se perseguirem os objetivos determinados como também os riscos para atingi-los. Um diálogo aberto e honesto com a sociedade (ver conceito de governo aberto no item 4.6) é essencial para fortalecer os laços de confiança com a instituição e reduzir o nível de incertezas em relação à sua atuação.
Além disso, o planejamento de longo prazo e a gestão de riscos permitem que as instituições lidem com as incertezas de uma forma consistente e previsível, promovendo a confiabilidade.
Portanto, para garantir que todos esses elementos sejam observados, é necessário que diretrizes, objetivos e resultados esperados sejam definidos a partir de um processo robusto de planejamento. Esse planejamento envolve não só avaliar – e, eventualmente, antecipar – adequadamente as necessidades e prioridades dos cidadãos, como também demanda uma intensa coordenação da atuação governamental.
As regras contidas no Projeto de Lei no 9.163, de 2017, relativas ao planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado – arts. 11 a 21 – representam o que seria um compromisso com a previsibilidade do planejamento estratégico-orçamentário, garantindo maior segurança e coerência às políticas governamentais e servindo como um dos principais fundamentos para a promoção da confiabilidade.
A primeira diretriz ligada ao princípio da confiabilidade prevê que a instituição deve “monitorar o desempenho e avaliar a concepção, a implementação e os resultados das políticas e das ações prioritárias para assegurar que as diretrizes estratégicas sejam observadas” (Brasil, 2017a, art. 4o, III).
Assim, as políticas e ações prioritárias da instituição devem ser norteadas pelo estabelecimento de metodologias de planejamento, pelo acompanhamento da execução orçamentária, pelo desenvolvimento de métodos de avaliação de processos e de alcance de resultados, pela apropriação de custos e pela preocupação constante com a qualidade do gasto público.
Nessa perspectiva, são relevantes para a promoção da boa governança o estabelecimento de indicadores de desempenho e a preocupação constante com o monitoramento e a avaliação dos efeitos dos serviços e das políticas públicas.
A avaliação ex post de políticas públicas é, portanto, ferramenta essencial para a promoção da boa governança. Diante da importância e profundidade do tema, o assunto será desenvolvido em um guia específico – que contemplará o processo integrado de avaliação de políticas públicas, com diferentes abordagens para a sua cadeia de valor (insumos, processos, produtos, resultados e impactos).
Igualmente vinculada ao princípio da confiabilidade está a diretriz prevista no inciso IV do artigo 4o, que considera como fundamental “articular instituições e coordenar processos para melhorar a integração entre os diferentes níveis e esferas do setor público, com vistas a gerar, preservar e entregar valor público” (Brasil, 2017a).
Esse processo de articulação e coordenação já faz parte de algumas das competências de certos órgãos do Poder Executivo federal – como o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento 47 Guia da Política de Governança Pública e Gestão, responsável pela “coordenação e gestão dos sistemas de planejamento e orçamento federal, de pessoal civil, de organização e modernização administrativa, de administração de recursos da informação e informática e de serviços gerais” (Brasil, 2017c, art. 1o, VII), e o Ministério da Saúde, que tem um departamento responsável por “promover, articular e integrar as atividades e as ações de cooperação entre os entes federados” (Brasil, 2016, art. 12, II).
A diretriz, portanto, reforça a importância de competências dessa natureza e demonstra a centralidade desse tipo de prerrogativa na promoção da boa governança. Não há espaço para isolacionismo em uma política de governança.
Nesse cenário, a governança multinível ganha especial destaque e demonstra, mais uma vez, que o foco da política é centrar ações no cidadão – vencendo as barreiras institucionais e promovendo o constante diálogo entre os níveis e as esferas do setor público.
É possível, então, concluir que o princípio da confiabilidade é um importante corolário do princípio democrático, garantindo e reforçando a legitimidade da atuação pública.
BOXE 9 – A GOVERNANÇA COMO MOLDURA DA LEGALIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA
A Lei no 13.655, de 2017, num movimento de modernização do direito, trouxe o compromisso do ônus da racionalidade das decisões. Acredita-se numa maior governabilidade a partir dessa perspectiva sólida de pilares como lideranças racionalmente nomeadas para determinados postos, estratégias objetivas que avaliem os riscos, monitoramentos constantes e burocracia inovadora para correção de rumos na entrega do valor público. Com essa direção, a governança aposta em diálogos institucionais para que se evite a subtração ou a sobreposição de competências e se assegure a coerência nas políticas públicas. Para se ter direção, para se elaborarem planos e normas, é necessária a segurança jurídica, a segurança decisória. A nova instrução processual nas instituições requer primeiro um olhar sobre a sua governança, e essa última como a grande legitimadora das decisões do órgão ou da entidade – assim, não se esperam mais instituições como meras aplicadoras de ofício das normas, mas parte do processo de construção de decisões direcionadas para o valor público, para o cidadão, para o interesse geral. Inicia-se um processo de mudança de mentalidades.
4.4 MELHORIA REGULATÓRIA
A melhoria regulatória (do inglês, better regulation) representa o desenvolvimento e a avaliação de políticas e de atos normativos em um processo transparente, baseado em evidências e orientado pela visão de cidadãos e partes diretamente interessadas (European Comission, 2016). Não se restringe, portanto, à regulação econômica de setores específicos realizada pelas agências reguladoras.
Trata-se de um princípio de governança que vem sendo incorporado em inúmeros países – como nos bem-sucedidos casos de Reino Unido 5 e México 6 – e mesmo em projetos de integração regionais – como no principal bloco existente atualmente, a União Europeia 7.
Reformular o processo de construção de normas é fundamental para reduzir os custos associados à criação de obrigações para a sociedade. A regulação deve ser minimalista: não deve atingir nada além do necessário para garantir seus objetivos.
Para além disso, “uma regulação bem direcionada, baseada em evidências e escrita de forma simples, tem maior probabilidade de ser adequadamente implementada e atingir seus objetivos, sejam econômicos, sociais ou ambientais” 8 (European Comission, 2016, p. 2, tradução nossa).
As diretrizes relativas ao princípio em questão deixam clara a sua importância e demonstram o amplo alcance de seu conteúdo. Assim, os órgãos e entidades da administração pública, observadas suas competências, devem: i) avaliar as propostas de criação, expansão ou aperfeiçoamento de políticas públicas e de concessão de incentivos fiscais e aferir, sempre que possível, seus custos e benefícios; ii) manter processo decisório orientado pelas evidências, pela conformidade legal, pela qualidade regulatória, pela desburocratização e pelo apoio à participação da sociedade; e iii) editar e revisar atos normativos pautando-se pelas boas práticas regulatórias e pela legitimidade, estabilidade e coerência do ordenamento jurídico, realizando consultas públicas sempre que conveniente.
Inicialmente, constituiu diretriz para a promoção da melhoria regulatória a realização da avaliação de propostas de políticas públicas, sejam as financiadas por meio de recursos orçamentários, sejam as financiadas por subsídios fiscais. Uma avaliação de custos e benefícios pode ser essencial em determinadas situações e, sendo possível, deve ser feita. A especificação de quando e como esse procedimento será adotado é matéria do Avaliação de Políticas Públicas: guia prático de análise ex ante (Ipea, 2018).
Em relação à segunda diretriz, é importante mencionar que a adoção de um processo decisório baseado em evidências (evidence-based decision making) é uma das mais constantes recomendações emanadas de organizações internacionais especializadas em governança pública. É um elemento estratégico e fundamental para o desenvolvimento de qualquer política desse tema.
Uma política regulatória integrada para todo o governo, que promova as tomadas de decisão baseada em evidências e, ao mesmo tempo, reduza a carga regulatória, pode impulsionar o desenvolvimento e o crescimento inclusivo 9 (OCDE, 2016, p. 3, tradução nossa).
A construção de políticas públicas que implicam, direta ou indiretamente, dispêndio de recursos públicos é tradicionalmente o foco da utilização de métodos de avaliação baseados em evidências. O objetivo é garantir uma utilização mais racional desses recursos e entregar melhores resultados para os cidadãos.
Note-se, no entanto, que a utilização de evidências é relevante em qualquer processo decisório, ainda que a decisão não guarde relação direta com a alocação de recursos públicos. Dessa forma, incorporar nos processos e procedimentos administrativos uma cultura de evidências é fundamental.
A criação de um sistema de construção de evidências no âmbito da administração pública federal, que permita destravar as amarras de acesso aos dados sem olvidar práticas adequadas de privacidade e que desenvolva a capacidade de gerar evidências de qualidade para orientar o processo decisório, é um passo fundamental para desenvolver essa diretriz. A experiência da Commission on Evidence-Based Policymaking dos Estados Unidos, cujo relatório conclusivo já foi apresentado (Estados Unidos, 2017), é um exemplo de como um amplo e profundo diagnóstico pode auxiliar a construção de soluções mais consistentes.
Embora o tratamento sistêmico do tema demande um esforço de coordenação que dependeria da inclusão da matéria entre as prioridades governamentais, há soluções mais simples que podem ser adotadas em um nível institucional, como a que se observa no boxe 10.
BOXE 10 – POLÍTICAS PÚBLICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS: O CASO DA ASSESSORIA ESTRATÉGICA DE EVIDÊNCIAS DO MEC
Em 2018, o Ministério da Educação (MEC) identificou a necessidade de criação da Assessoria Estratégica de Evidências a partir do diagnóstico de que existem boas evidências sendo produzidas, mas que eventualmente não são utilizadas para o desenho ou o redesenho de políticas públicas. Usar evidências em programas educacionais não significa que aspectos políticos deixarão de fazer parte da formulação das políticas educacionais, mas que, munidos de informações mais robustas e confiáveis, gestores públicos serão capazes de propor desenhos de programas mais eficazes, efetivos e eficientes.
O movimento pelo uso de evidências não é recente. Muitas iniciativas vêm acontecendo no Brasil e no mundo para qualificar o debate sobre políticas públicas.
No caso da Educação, qualificar o debate significa garantir o uso dos dados produzidos pelos censos e avaliações externas (Prova Brasil, Avaliação Nacional da Alfabetização – ANA etc.), bem como das informações de políticas e programas do MEC, para aperfeiçoar seus desenhos e embasar a construção de novas iniciativas. A produção e a sistematização das evidências auxiliam em todas as etapas do ciclo de políticas públicas, tanto nos programas existentes quanto nas inovações que venham a ser testadas.
Tendo em vista esse cenário, a Assessoria Estratégica de Evidências tem a missão de promover o uso apropriado das evidências e fomentar a cultura de inovação para melhorar a qualidade das políticas educacionais brasileiras e se divide em dois núcleos: o Núcleo de Análise da Informação (NAI-Info) e o Núcleo de Avaliação e Inovação (NAI-Inove). O NAIInfo tem por objetivo organizar e sistematizar informações e dados de políticas e programas prioritários do MEC – por meio de modelos lógicos, de matriz de indicadores e de relatórios gerenciais – para embasar a tomada de decisão e fornecer subsídios ao NAI-Inove. Esse último, por sua vez, busca promover a avaliação dos programas do MEC e inovações educacionais que tenham alto potencial de impacto e baixo custo.
Além dos dois núcleos, a Assessoria Estratégica de Evidências coordena ainda uma rede de especialistas com experiência nas áreas de monitoramento, avaliação e inovação de políticas públicas. A Rede de Evidências foi criada pela Portaria 950, de 2018, do MEC, e tem por objetivo institucionalizar o diálogo e a colaboração entre o referido ministério e instituições e pesquisadores de renome sobre o uso de evidências e o fomento da inovação para melhorar a educação pública brasileira.
Entre as iniciativas realizadas pela Assessoria de Evidências, destaca-se a avaliação experimental do programa Ensino Médio em Tempo Integral. Em outubro de 2018, foi lançada a primeira portaria ministerial do MEC prevendo uma avaliação experimental (randomized controlled trial) de um programa do ministério. A avaliação definirá, por meio de um sorteio, as escolas beneficiárias (grupo tratamento) e as não beneficiárias (grupo controle) do programa. A importância desse tipo de exercício é verificar a viabilidade, por meio de evidências, da ampliação da oferta de ensino médio em tempo integral no Brasil.
Por fim, a terceira diretriz estabelece que, ao editar ou revisar atos normativos, as organizações que têm essa competência devem: i) pautar-se por boas práticas regulatórias; ii) prezar pela legitimidade, estabilidade e coerência do ordenamento jurídico; e iii) realizar consultas públicas quando conveniente.
As fontes de boas práticas regulatórias são inúmeras, já que se trata de um esforço que não é novo e não se restringe ao Brasil. No entanto, para destacar apenas duas iniciativas nacionais, pode-se mencionar: i) o Decreto nº 9.191, de 2017, que traz, em seu Anexo, uma lista extensa de questões a serem analisadas quando da elaboração de atos normativos no âmbito do Poder Executivo federal; e ii) o Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório, que auxilia a realização dessa análise com um roteiro didático (Brasil, 2017b).
Assim como a função de realizar a interpretação dos atos normativos, exercida precipuamente pelo Poder Judiciário, deve assegurar a formação de uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente, conforme determina o art. 926 do Novo Código de Processo Civil (Lei no 13.105, de 16 de março de 2015), a edição desses atos deve ser pautada pelo mesmo objetivo.
Evitar antinomias, normas ambíguas e dispositivos de duvidosa constitucionalidade é o primeiro passo para se avançar na agenda da melhoria regulatória.
BOXE 11 – O PAPEL DO PODER EXECUTIVO NA PROMOÇÃO DA COERÊNCIA E DA ESTABILIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO
Em uma política de governança, o tema da segurança jurídica sempre terá natureza central. Não há possibilidade de se construírem instituições mais sólidas em um cenário no qual o ordenamento jurídico não é estável e coerente. Ainda que o Decreto nº 9.203, de 2017, não alcance todos os poderes, a preocupação com o tema se justifica pelo reconhecimento de que uma parte do ordenamento é formada a partir de atos normativos expedidos pelo Poder Executivo e de que a fixação da interpretação da legislação, ainda que extraordinariamente realizada por órgãos desse Poder, tem impacto direto sobre a coerência sistêmica.
Dito de outra forma, os regulamentos expedidos pelas agências reguladoras, as recomendações e determinações de colegiados (por exemplo, a Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União – CGPAR), as decisões de tribunais administrativos, os pareceres aprovados pelo advogado-geral da União e as instruções normativas da Secretaria da Receita Federal do Brasil, para citar alguns exemplos, têm em comum a possibilidade de influenciar, em maior ou menor grau, as decisões de cidadãos e empresas.
Essa possibilidade carrega consigo uma necessidade: observar a coerência, a clareza e a estabilidade do ordenamento jurídico. Mudanças repentinas de intepretação, excesso de regras, decisões e orientações divergentes e lentidão no processo decisório são alguns dos sintomas da insegurança jurídica e representam, ao fim e ao cabo, um problema de governança na construção normativa. É por esse motivo que a OCDE considera que “nada contribui mais para a confiança dos investidores em relação à regulação do que a previsibilidade e o reconhecimento de que as regras atingem os seus objetivos” (OCDE, 2011a, p. 4).
Igualmente, manter um processo decisório que incentive a participação da sociedade, notadamente por meio de instrumentos consagrados – por exemplo, a consulta pública –, é importante para aumentar a percepção de que as políticas e as leis foram desenvolvidas e implementadas de forma justa e imparcial (Banco Mundial, 2017). É, inclusive, um dos Objetivos Globais de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, garantir que o processo decisório seja “inclusivo, participativo, responsivo e representativo em todos os níveis” da instituição 10.
Por fim, é importante lembrar que a legislação não é um fim em si mesmo. Dessa maneira, a melhoria regulatória não se restringe a buscar normas e políticas mais simplificadas e coerentes. Assim como os demais princípios, seu objetivo fundamental é o mesmo que orienta e justifica a política de governança: garantir que o cidadão esteja no centro das decisões e ações das instituições públicas.
4.5 PRESTAÇÃO DE CONTAS E RESPONSABILIDADE
Prestação de contas e responsabilidade (no inglês, accountability) representa a vinculação necessária, notadamente na administração de recursos públicos, entre decisões, condutas e competências e seus respectivos responsáveis. Trata-se de manter uma linha clara e objetiva entre as justificativas e os resultados da atuação administrativa, de um lado, e os agentes públicos que dela tomarem parte, de outro.
Em um contexto no qual o processo decisório é orientado por sistemas que privilegiam a gestão de riscos (princípios da integridade e da capacidade de resposta), é refletido em ações consistentes com a missão da instituição (princípio da confiabilidade) e é ancorado em evidências previamente reunidas (princípio da melhoria regulatória), a accountability se transforma em uma consequência natural da atuação pública.
A prestação de contas retroalimenta o sistema de governança a partir do controle social da atividade administrativa. Dar centralidade ao cidadão é, nesse caso, permitir que exerça a cidadania de forma proativa, fiscalizando e apontando eventuais desvios.
Não por outro motivo, a ONU defende que “a governança efetiva para um desenvolvimento sustentável demanda que as instituições públicas, em todos os países e em todos os níveis, sejam inclusivas, participativas e prestem contas à população” 11 (United Nations, 2014, p. 23, tradução nossa).
Diante da leitura de que a accountability já é um princípio relativamente difundido na administração pública, notadamente em função das iniciativas de governo aberto que foram desenvolvidas nas últimas duas décadas, há apenas uma diretriz que norteia sua implementação: as instituições devem “definir formalmente as funções, as competências e as responsabilidades das estruturas e dos arranjos institucionais” (Brasil, 2017a, art. 4o, X).
Por óbvio, o conteúdo do princípio não se restringe a essa formalização de “o que faz” e “como faz” cada uma das estruturas e arranjos institucionais criados. Trata-se do elemento mínimo para garantir a accountability nos termos definidos.
BOXE 12 – A IMPORTÂNCIA DA INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE: O CASO DAS OUVIDORIAS
A excelência em gestão pressupõe direcionar as ações públicas para as necessidades dos cidadãos e da sociedade, na condição de sujeitos de direitos e como beneficiários dos serviços públicos e destinatários da ação do Estado. É fundamental conhecer e entender as necessidades atuais dos cidadãos e antecipar suas expectativas futuras. Nesse sentido, importa atender aos diversos segmentos da sociedade, considerando as suas diferenças.
Existe hoje um processo de aproximação entre Estado e sociedade, especialmente nas áreas de atendimento à população. A mudança de postura por parte das instituições públicas é uma demonstração de respeito aos cidadãos e de compromisso por serviços públicos mais transparentes.
A interlocução da sociedade com o Estado se tornou possível porque a Constituição compatibilizou princípios da democracia representativa e participativa. Estabeleceu, ainda, os princípios da impessoalidade e da publicidade dos atos da administração pública, lançando os fundamentos para uma nova forma de expressão de interesses e representação de demandas de atores e grupos junto ao Estado.
A institucionalização das ouvidorias públicas nas últimas três décadas e a Lei de Acesso à Informação (LAI) – Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011 – são frutos desse processo de democratização do Estado brasileiro, que materializou no texto constitucional a participação social como um dos elementos-chave para a organização das políticas públicas.
Dessa maneira, a Ouvidoria Pública funciona como um agente promotor de mudanças: de um lado, favorece uma gestão flexível, comprometida com a satisfação das necessidades do cidadão; de outro, estimula a prestação de serviços públicos de qualidade, capazes de garantir direitos. Em síntese, é um instrumento para a democracia.
Ao exercer o papel como porta-voz do cidadão na organização pública, a ouvidoria tem-se revelado um importante instrumento de interação entre o Estado e a sociedade, constituindo-se em aliado na defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos. Além disso, ela tem uma atuação relevante no desenvolvimento de programas de qualidade implantados nas organizações. Dessa forma, fortalece a capacidade das organizações de adaptação às exigências dos ambientes econômico, social, cultural e tecnológico.
A participação social, entendida como a influência direta da população nos processos decisórios do Estado, só acontece de verdade se as manifestações apresentadas pela população influírem de alguma forma na tomada de decisão dos agentes públicos. Isso significa que as ouvidorias devem fazer mais do que somente receber e responder às manifestações. Seus registros devem servir para subsidiar os gestores no aprimoramento dos processos na administração pública e propor aperfeiçoamentos na prestação de serviços públicos
– atribuição, aliás, já prevista pelo art. 13 da Lei no 13.460, de 2017 – regulamentada pelo Decreto nº 9.492, de 2018 –, que dispõe sobre a participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários. É assim que as ouvidorias podem utilizar problemas individuais para elaborar soluções coletivas. Os cidadãos usuários – atuais e potenciais – são sujeitos de direitos e as organizações públicas, no âmbito de suas competências, têm obrigação de atender, com qualidade e presteza, às suas necessidades e demandas, estabelecendo uma relação ética e transparente com a sociedade.
4.6 TRANSPARÊNCIA
A transparência representa o compromisso da administração pública com a divulgação das suas atividades, prestando informações confiáveis, relevantes e tempestivas à sociedade. Inserida em um conjunto de princípios centrais que orienta a atividade pública, a transparência é um dos pilares para a construção de um governo aberto (open government).
O conceito da OCDE de governo aberto, a seguir transcrito, demonstra a inter-relação entre os princípios de governança previstos no decreto e os ganhos de sinergia gerados pela sua implementação simultânea.
[Governo aberto é] uma cultura de governança centrada no cidadão que utiliza ferramentas, políticas e práticas inovadoras e sustentáveis para promover transparência, capacidade de resposta e responsabilização do governo, de forma a incentivar a participação das partes interessadas no apoio à democracia e ao crescimento inclusivo 12 (OCDE, 2017d, tradução nossa).
Em outras palavras, um governo aberto não é somente aquele que torna públicas as suas informações – isso, por si só, não é suficiente.
Em contraponto, a OCDE alerta que
o aumento da transparência e do controle social traz riscos, os quais, da mesma forma que todas as ações de governo, requerem uma gestão de risco prudente. Os possíveis focos de risco incluem atrasos na tomada ou implementação de decisões, a captura de processos por parte de grupos de interesses, o excesso de consultas e conflitos entre participantes. Todos esses fatores podem prejudicar a boa governança e a confiança no governo (OCDE, 2011b, p. 21).
Portanto, a ideia de governo aberto passa pela aplicação simultânea e coordenada de alguns dos princípios de governança que foram contemplados no Decreto no 9.203, de 2017, demonstrando a preocupação da administração pública federal em avançar nessa seara.
Esse comprometimento já vem sendo reforçado nos últimos anos, com a aprovação de três planos de ação sobre o tema, nos termos definidos no Decreto de 15 de setembro de 2011. Esses planos previam compromissos orientados por boas práticas de governança focadas na transparência.
Em decorrência da implementação desses compromissos e de outras iniciativas para garantir a transparência nas atividades da administração pública, o Brasil tem ocupado posição de relevo em rankings que medem o nível de abertura dos governos. 13 Destaque para o 17o lugar no Open Data Barometer 2015, entre cem países, e para o oitavo lugar no Global Open Data Index 2016, entre mais de cem países.
Apesar dos bons resultados das políticas de fortalecimento da transparência, sobretudo no nível federal, a sua indiscutível importância para a governança pública justifica sua inclusão como um dos seus princípios centrais. Note-se que essa opção promove a continuidade de políticas para aumentar a transparência pública e permite que novas orientações sejam construídas a partir do processo de constante internalização de boas práticas de governança que o Decreto no 9.203, de 2017, promove.
Este decreto prevê uma diretriz diretamente ligada ao princípio da transparência, prescrevendo a necessidade de se “promover a comunicação aberta, voluntária e transparente das atividades e dos resultados da organização, de maneira a fortalecer o acesso público à informação” (Brasil, 2017a, art. 4o, XI).
Síntese de recomendações amplamente difundidas nas organizações que tratam do tema, a diretriz reforça o compromisso com a transparência ativa (voluntária) e o acesso público à informação – que, sempre que possível, deve ser completa, objetiva, confiável, relevante e acessível (OCDE, 2002, p. 9, tradução nossa).
BOXE 13 - PROMOÇÃO DO PROCESSO DECISÓRIO BASEADO EM EVIDÊNCIAS: GUIAS APROVADOS PELO CIG
Avaliação de Políticas Públicas: guia prático de análise ex ante
Avaliação de Políticas Públicas: guia prático de análise ex ante é uma publicação aprovada pelo Comitê Interministerial de Governança, em 19 de fevereiro de 2018, que contém recomendações de boas práticas relativas ao tema da avaliação de políticas públicas.
A publicação é resultado de uma construção coletiva da Casa Civil, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (atual Ministério da Economia), do Ministério da Fazenda (atual Ministério da Economia), do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (atual Controladoria-Geral da União) e do Ipea, com a colaboração do Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e África Lusófona da Fundação Getúlio Vargas e do Centre for Public Impact.
O guia introduz um robusto referencial metodológico para a orientação dos gestores federais nos processos de avaliação de eficiência, eficácia e efetividade dos programas, com o intuito de: i) melhorar a formulação de políticas para garantir resultados efetivos; ii) criar um padrão de formulação e debate das políticas; iii) decidir e priorizar de forma mais objetiva e transparente; e iv) assegurar maior custo-efetividade.
Dessa forma, este guia busca garantir que no médio e no longo prazo o governo federal tenha um processo bem definido e efetivo de análise das políticas públicas, melhorando o seu desempenho – e, com isso, racionalizando a aplicação dos recursos públicos.
Avaliação ex ante/ex post: a análise ex ante objetiva promover uma reflexão em nível mais elevado quando da criação, expansão ou do aperfeiçoamento de políticas públicas, para que estas sejam mais bem desenhadas e planejadas. Em contrapartida, a avaliação ex post é o instrumento de racionalidade para as tomadas de decisão ao longo da execução da política – dizendo ao gestor o que aprimorar, e em alguns casos, como fazê-lo – e para a melhor alocação de recursos entre as diferentes políticas públicas setoriais.
Análise de impacto regulatório: diretrizes gerais e guia orientativo
Diretrizes Gerais e Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório – AIR (diretrizes gerais AIR e guia AIR) são publicações aprovadas pelo Comitê Interministerial de Governança, em 11 de junho de 2018, que contêm recomendações de boas práticas relativas ao tema da análise de impacto regulatório.
Os documentos levaram em conta as melhores práticas observadas internacionalmente e são resultados das discussões técnicas coordenadas pela Casa Civil da Presidência da República, em parceria com o então Ministério da Fazenda, o então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, as agências reguladoras federais e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
A AIR é o processo sistemático de análise baseado em evidências que busca avaliar, a partir da definição de um problema regulatório, os possíveis impactos das alternativas de ação disponíveis para o alcance dos objetivos pretendidos, tendo como finalidade orientar e subsidiar a tomada de decisão.
As diretrizes gerais AIR definem conceitos, etapas e padrões mínimos a serem observados na elaboração da AIR, enquanto o guia AIR se destina a auxiliar os servidores incumbidos de realizá-la. Busca-se apresentar o roteiro básico de uma AIR, sem entrar em discussões detalhadas sobre técnicas ou metodologias específicas. Sua aplicação, de modo mais ou menos abrangente, deverá ser definida no caso concreto, de acordo com a complexidade do tema objeto de análise, do contexto e da experiência acumulada pela agência reguladora, pelo órgão ou pela entidade da administração pública.
Avaliação de Políticas Públicas: guia prático de análise ex post
Avaliação de Políticas Públicas: guia prático de análise ex post é uma publicação aprovada pelo Comitê Interministerial de Governança. O guia tem como objetivos: i) fornecer referências às avaliações ex post a serem implementadas no âmbito do governo federal e disseminar as abordagens de boas práticas de avaliação aos órgãos e aos gestores da administração pública; ii) recomendar a adoção de medidas de ajuste e aprimoramento aos órgãos responsáveis pelas políticas; e iii) completar o processo integrado de avaliação de políticas públicas no âmbito do governo federal: na primeira etapa está a análise ex ante e na segunda etapa, a análise ex post, instrumento relevante para as tomadas de decisão ao longo da execução da política.
Os documentos levaram em conta as melhores práticas observadas internacionalmente e são resultados das discussões técnicas coordenadas pela Casa Civil da Presidência da República, em parceria com o Ministério da Fazenda, o então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, as agências reguladoras federais e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
A AIR é o processo sistemático de análise baseado em evidências que busca avaliar, a partir da definição de um problema regulatório, os possíveis impactos das alternativas de ação disponíveis para o alcance dos objetivos pretendidos, tendo como finalidade orientar e subsidiar a tomada de decisão.
As diretrizes gerais AIR definem conceitos, etapas e padrões mínimos a serem observados na elaboração da AIR, enquanto o guia AIR se destina a auxiliar os servidores incumbidos de realizá-la. Busca-se apresentar o roteiro básico de uma AIR, sem entrar em discussões detalhadas sobre técnicas ou metodologias específicas. Sua aplicação, de modo mais ou menos abrangente, deverá ser definida no caso concreto, de acordo com a complexidade do tema objeto de análise, do contexto e da experiência acumulada pela agência reguladora, pelo órgão ou pela entidade da administração pública.
Avaliação de Políticas Públicas: guia prático de análise ex post
Avaliação de Políticas Públicas: guia prático de análise ex post é uma publicação aprovada pelo Comitê Interministerial de Governança.
O guia tem como objetivos: i) fornecer referências às avaliações ex post a serem implementadas no âmbito do governo federal e disseminar as abordagens de boas práticas de avaliação aos órgãos e aos gestores da administração pública; ii) recomendar a adoção de medidas de ajuste e aprimoramento aos órgãos responsáveis pelas políticas; e
iii) completar o processo integrado de avaliação de políticas públicas no âmbito do governo federal: na primeira etapa está a análise ex ante e na segunda etapa, a análise ex post, instrumento relevante para as tomadas de decisão ao longo da execução da política.
1. Para mais, ver Brasil (2017b). [voltar]
2. “Responsive governance requires public servants to act beyond orders and to be proactive. To strengthen responsiveness of the public service, capacity- building in areas such as innovation, customer and citizen focus, leading through influence, collaboration, project management, financial management and negotiation, among many others, will be required. Foremost, there is a need to inculcate a firm commitment to serving citizens.” [voltar]
3. “In recent years, there has been a change in emphasis away from structural devolution, disaggregation, and single-purpose organizations towards a more integrated approach to public service delivery. Variously termed “one-stop government,” “joined-up government” and “whole-of-government”, the movement from isolated silos in public administration to formal and informal networks is a global trend driven by various societal forces such as the growing complexity of problems that call for collaborative responses, the increased demand on the part of citizens for more personalized and accessible public services, which are to be planned, implemented and evaluated with their participation, and the opportunities presented by the Internet to transform the way the government works for the people.” [voltar]
4. “Common policy recommendations derived from this include control and sanctions, and reducing the discretion of decision makers in order to diminish their scope for misbehaviour. Sometimes, this has led to over-regulation, the establishment of paralyzing controls, and distrust in the public administration.” [voltar]
5. Disponível em https://www.gov.uk/government/groups/better-regulation-executive. [voltar]
6. Disponível em https://www.gob.mx/conamer. [voltar]
7. Disponível em https://ec.europa.eu/info/law/law-making-process/planning-and-proposing-law/better-regulation-why-and-how_en. [voltar]
8. “Well-targeted, evidence-based and simply written regulation is more likely to be properly implemented and achieve its goals on the ground, whether these are economic, societal or environmental.” [voltar]
9. “An integrated whole-of-government regularoty policy that fosters evidence-based rule-making while reducing regulatory burden can drive further development and inclusive growth.” [voltar]
10. A ação é uma das relacionadas ao ODS 16 e foi prevista originalmente nos seguintes termos: “Ensure responsive, inclusive, participatory and representative decision-making at all levels”. Disponível em: http://www.un.org/sustainabledevelopment/peace-justice/. [voltar]
11. “Effective governance for sustainable development demands that public institutions in all countries anda t all levels be inclusive, participatory and accountable to the people.” [voltar]
12. “[Open government is] a citizen-centred culture of governance that utilizes innovative and sustainable tools, policies and practices to promote government transparency, responsiveness and accountability to foster stakeholders’ participation in support of democracy and inclusive growth.” [voltar]
13. O Brasil tem diversos instrumentos robustos de transparência. No Portal da Transparência, é possível obter informações detalhadas sobre gastos, receitas, servidores, sanções administrativas, imóveis funcionais etc. Licitações e contratos estão disponíveis nas Páginas da Transparência Pública. Pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), é possível fazer solicitações de documentos e informações criadas ou tuteladas pelos órgãos públicos. No Portal Brasileiro de Dados Abertos, por sua vez, pode-se encontrar mais de 5 mil bases de dados em formato aberto, ou seja, de uso livre e gratuito. Há, ainda, a LAI (lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011), que instrumentalizou o acesso às informações públicas. [voltar]